quarta-feira, 18 de agosto de 2010

16- Conceitos sobre Aberturas - parte I

Iniciamos aquí uma série de orientações para o pessoal que quer se desenvolver, com artigos em graus de aprofundamento crescente, abordando aspectos importantes da prátida do Xadrez.

A fase de Abertura deve ser compreendida como a mobilização das peças a partir da posição inicial. Em geral, poderá ser considerada como completada quando a maioria das peças já estiver posicionada, incluindo a dama. O rei já fez o roque e as torres estão conectadas uma com a outra e de preferência posicionadas em alguma coluna aberta (sem peões nela) ou semi-aberta (apenas um peão adversário) ou pelo menos em condições de postar-se em colunas mais centrais.
No princípio deve-se evitar iniciar manobras ou combinações sem antes ter completado, ao menos em boa parte, a fase de Abertura: mobilização das peças.

Um dos maiores clássicos da literatura do xadrez é "Ideas behind the Chess Openings" [Idéias por trás das Aberturas de Xadrez] escrito pelo grande campeão americano Reuben Fine, que também foi autor de outros livros famosos, inclusive um tratado completo sobre finais que pode ser encontrado em espanhol com o título Finales Basicos de Ajedrez, o que não é o caso deste livro dele sobre Aberturas.
Este clássico é recomendado para enxadristas com nível de jogo em evolução para intermediário (rating de 1400 a 1700 aproximadamente) e tem o grande mérito de mostrar os conceitos e objetivos, ao invés de apenas listar as alternativas de jogadas. Explica as idéias para os enxadristas que querem se desenvolver e compreender melhor a fase inicial de uma partida.
Para os jogadores mais avançados tem menos interesse, inclusive porque ao longo destas últimas décadas os conhecimentos evoluiram bastante e muitas jogadas mostradas no livro de Fine foram superadas pela descoberta de detalhes táticos ou introdução de novas idéias.

Traduzimos a seguir os ensinamentos iniciais deste livro, porque dão uma base que pode ser útil para muitos enxadristas. Os comentários entre colchetes [abcd...] são nossos.

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Principios Gerais [segundo Reuben Fine]

É sempre verdade, embora nem sempre claro, que os movimentos nas aberturas de xadrez são baseados em certas idéias definidas. Estas idéias formam o contexto e a fundação, enquanto os movimentos representam a construção em sí.

Em todas as áreas, o homem que consegue somente fazer as coisas, sem saber o porquê, leva desvantagem em relação àquele que conseque não somente construir, mas também dizer exatamente porque está construindo daquela maneira. Isto é especialmente ressaltado quando o ciclo prescrito não obedece às leis a que deveria seguir: então, o trabalhador [que só sabe fazer] tem que parar e ficar com os braços cruzados, até que o mecânico venha e ajuste o delicado mecanismo.

Tudo isso permanece válido no xadrez, assim como se mantém válido em todos as áreas que sejam uma combinação de teoria e ação. E como ação ou lances em xadrez são muito menos padronizados do que, digamos, a construção de uma casa, a teoria representada por idéias torna-se muito mais importante.
Uma boa demonstração disso é quando ocorre um "desvio do livro". Uma certa partida começou com 1 e4 f6. Esta resposta é ruim, tão ruim de fato que não será possível encontra-la em nenhuma coleção de movimentos de aberturas. O que fazer a respeito dela? A pessoa que memorizou um montão de jogadas sem compreende-las fica desorientado; ela não será capaz nem de apresentar uma boa razão pela qual este lance é ruim. Porém a pessoa que sabe que as negras negligenciaram o centro, privaram seu cabalo do rei de sua melhor casa e ainda enfraqueceram a posição de seu rei, vão considerar uma tarefa simples refutar o jogo defeituoso de seu oponente.

Talvez não seja da compreensão geral que o que se conhece como a "Teoria de Aberturas" no xadrez segue determinadas premissas. As suas bases são bastante simples e uma vez aprendidas nunca serão esquecidas:
1. Na posição inicial da partida, como as brancas tem o lance, possuem uma ligeira vantagem;
2. Consequentemente, o problema para as brancas na abertura é manter a melhor posição;
3. O problema das negras na abertura é assegurar a igualdade.
A elaboração destas questões em cada caso individual é apresentado como "Teoria das Aberturas". Uma vez que as questões 2 ou 3 sejam claramente atendidas, a "teoria" está satisfeita e o restante fica por conta de cada um.

Até aquí, entretanto, ninguém encontrou um método para determinar valores que seja superior ao da boa prática dos mestres. Ou seja, ao nos guiarmos por princípios e regras bem estabelecidas, chegamos a uma posição onde haverá prós e contras para ambos os lados. Neste caso, uma partida entre dois especialistas é a referência mais importante que temos a possibilidade de ter. Esta é uma das principais razões para fazer referências a certas partidas. Retornaremos a esta questão mais tarde, mas é suficiente dizer, por enquanto, que na maioria dos casos, "teoria" nada mais é do que "boa prática".

Nos livros sobre aberturas aparecem menções frequentes sobre "lances normais" e "posições normais". Esta "normalidade" aparece da maneira explicada a seguir.

Há dois conceitos fundamentais nas aberturas, que são: o desenvolvimento e o centro. Desenvolvimento é ir posicionando as peças para jogar. O centro consiste nas quatro casas do centro geométrico do tabuleiro. O princípio básico estabelece que é essencial na abertura desenvolver todas as peças harmoniosamente e de modo a assegurar a posição mais favorável possível no centro.

Detalhando mais, há dez conselhos práticos que geralmente é bom seguir, embora os enxadristas já mais desenvolvidos saibam que há muitas exceções. Estas regras são:
1. Abra com o peão do rei ou o peão da dama;
2. Sempre que possível, faça um bom lance de desenvolvimento que ameace algo;
3. Desenvolva os cavalos antes dos bispos;
4. Escolha a casa mais adequada para uma determinada peça, desenvolva-a para lá de uma vez por todas [num só lance e sem voltar]
5. Faça um ou dois movimentos de peões na abertura, não mais que isso;
6. Não saia com sua dama muito cedo;
7. Faça o roque logo que possível, de preferência para o lado do rei;
8. Jogue para ter controle do centro [ocupando-o com peões ou pressionando-o com suas peças];
9. Sempre tente manter pelo menos um peão no centro;
10. Não sacrifique material sem uma razão clara e justificada.

No item 10 podemos acrescentar ainda que, para oferecer um peão tem que haver uma das quatro justificativas seguites:
(a) Obter uma vantagem evidente em desenvolvimento;
(b) Desviar a dama adversária [para longe ou para fora de ação] ;
(c) Impedir que o adversário faça o roque;
(d) Montar um forte ataque.

Finalmente, é importante lembrar que duas questões que precisam ser respondidas para cada lance a ser jogado:
A- Como este lance afetará o centro?
B- Como se encaixará com o desenvolvimento de minhas outras peças e peões [e em relação ao posicionamento do adversário]?

Qualquer lance que esteja de acordo com os principios básicos é "normal"; e qualquer lance que não esteja é "anormal". Então 1 e4, que posiciona um peão no centro e ajuda o desenvolvimento da ala do rei, é normal, enquanto 1 h4, que não ajuda nem o centro nem o desenvolvimento, é anormal. De modo similar, após 1 e4 e5 2 Cf3 desenvolvendo o cavalo e ameaçando um peão central adversário é normal, enquanto 2 b3 que desenvolve uma peça relativamente menos prioritária e não afeta o centro é anormal. O leitor irá logo lembrar de vários exemplos semelhantes.

Sacrifícios [lance que entrega uma peça] e gambitos [lance que oferece um peão] algumas vezes parecem violar procedimentos de abertura sadios. Isto em certo sentido é verdade, pois cada sacrifício requer justificação especial. Entretanto, é fato bem conhecido e fácil de comprovar que, sob certas circunstâncias, uma vantagem material é inútil quando atrapalhada por uma posição ruim. Em tais casos os sacrifícios tornam-se também perfeitamente normais.

Nos gambitos, a oferta de peão é sua própria essência. O procedimento normal tem necessariamente que levar isso em conta e, em função disso, aparece um terceiro fator [a ser avaliado]. Embora esta análise [as considerações anteriores] esteja correta de um ponto de vista puramente teórico, na prática se constata que o centro tem relativamente menos prioridade [nos Gambitos], de tal modo que a questão essencial a ser respondida por ambos os lados é:
A vantagem em desenvolvimento é compensação suficiente pelo material entregado ou não? Lances "normais" em gambitos são aqueles que ajudam a responder esta questão.

Em quase todas as aberturas há uma série bem definida de lances normais que levam ao que é usualmente chamado de "posição normal". Esta posição normal é o ponto de partida para maiores investigações da abertura. Se é favorável para as brancas, a preocupação da teoria será com o melhoramento das possibilidades defensivas da negras. Inversamente, se as possibilidades estão igualadas, então o problema é reforçar o jogo das brancas. Algumas vezes - como é o caso na Defesa Ortodoxa do Gambito da Dama recusado - as posições resultantes são teoricamente igualadas, porém na prática mostram-se cheias de dificuldades e ciladas. Em tais casos a teoria pode e deve preocupar-se com uma investigação para ambos os lados, por um lado para dar as brancas melhores chances [de manter vantagem], e por outro lado para tornar a tarefa das negras [de buscar igualar] mais fácil.

Um conceito semelhante e pertinente que será usado ocasionalmente é o de "posições ideais". Uma posição ideal é uma que é alcançada por uma sequência de lances normais para ambos os lados e que representa a máxima superioridade posicional que um jogador ou o outro pode alcançar. Consequentemente, é um objetivo que vale a pena ser buscado por aquele jogador, mas algo a ser evitado pelo seu oponente.

Em diversas aberturas ditas "modernas" - tais como a Defesa Alekhine e o sistema Catalão - o jogo de um dos lados ou do outro pode acabar sendo altamente bem sucedido ainda que esteja em aparente contradição com princípios sadios das aberturas. A contradição só pode ser resolvida se considerarmos o elemento de "permanência". Por exemplo: na Defesa Alekhine as negras permitem que as brancas construam um poderoso centro de peões, não porque achem que um tal centro seja ruim, mas porque acreditam que serão capazes de destrui-lo mais cedo ou mais tarde. Em consequência, entre outras coisas, em algumas aberturas, precisamos avaliar até quando uma certa vantagem poderá durar [ou seja, qual será a permanência?]
Uma sutileza moderna são as transposições, que são muito comuns em aberturas com peão da dama [e outras do tipo "fechado", onde os primeiros lances insinuam uma certa abertura, mas gradativamente chega-se a uma posição típica de outra abertura].

É importante ter clareza a respeito da questão da avaliação da posição alcançada na abertura. Isto deve, é claro, ser baseado na análise geral [que é utilizada] para qualquer posição. Esta análise geral envolve cinco fatores:
(i) material; (ii) estrutura de peões; (iii) mobilidade; (iv) segurança dos reis; (v) possibilidades de combinações [ou de assumir a iniciativa das ações].
Em muitas aberturas (exceto gambitos) apenas a estrutura de peões e mobilidade são realmente importantes. O centro é um caso especial de mobilidade, porque o lado que tem controle do centro automaticamente desfruta maior liberdade para suas peças. [A estrutura de peões mostrará também se algum lado domina mais espaço no tabuleiro, o que poderá permitir, como consequência, maior mobilidade e iniciativa.]

Será observado algumas vezes que as idéias que se diz que são a base de certas aberturas [ou defesas] são evitadas ou estão completamente ausentes na prática. Isto é porque idéias não são leis ditatoriais, mas sim guias aconselhadoras. A estratégia, o corpo de idéias [principais, gerais], se mantém apenas como um quadro de referência. A tática, as variantes individuais [com ameaças e defesas], é o que entra neste quadro, e é por isso que o resultado varia tanto, com tanta frequência, em relação a concepção original. Frequentemente uma linha que concretiza a idéia básica e é, por conseguinte, estrategicamente sadia, precisa ser rejeitada porque há uma refutação tática e ela simplesmente não funcionaria. Ter senso de oportunidade e saber o momento certo é importante. Além do mais, na maioria das aberturas há diversas idéias para cada lado, e nem todas podem ser concretizadas numa única partida.

(trecho do livro "Ideas behind the Chess Openings" de Reuben Fine, disponível via internet www.amazon.com preço aprox. US$ 10,00 + frete, edição 1990 em notação algébrica)

Abrs, Francisco Schwab

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