quarta-feira, 24 de outubro de 2012

62 - Prevenção, Restrição e Super-proteção

Aaron Nimzowitsch  (1886-1935)
Conhecida pelo erudito nome de "profilaxe" desde os tempos em que Nimzowitsch apresentou estes conceitos pela primeira vez, a Prevenção está na própria essência da estratégia enxadrística  Porque não basta tomar iniciativas e desenvolver um plano próprio, pois frequentemente é necessário atentar para os possíveis planos do adversário e tomar medidas preventivas, antecipando-se ao futuro desdobramento da partida, seja para se defender ou para aproveitar oportunidades que poderão surgir.

No seu famoso livro Meu Sistema,  Nimzowitsch argumenta assim sobre Prevenção: "Exigir das peças somente uma atividade atacante direta leva a marca de um empurrador de madeira. Tendo um bom critério, uma mente enxadrística mais sofisticada quer que as peças também realizem manobras preventivas."
As duas técnicas mencionadas, de Restrição e Super-proteção, nada mais são do que esforços preventivos que tentaremos explicar aqui de uma maneira bem simples:

Restrição é exercer pressão ou domínio sobre casas ou peças adversárias, pela ação combinada de suas próprias peças, geralmente através de colunas ou diagonais semi-abertas. E ainda Nimzowitsch:
"As peças que estão envolvidas em tal missão [de prevenção] se verão recompensadas pelo fato de que se encontrarão bem situadas em todos os aspectos."

Super-proteção é o reforço antecipado de algum ponto importante, constituído por uma casa ou pelo peão ou alguma peça própria que ocupa aquela casa. Sobre isso, escreve Nimzowitsch:
"Devemos superproteger nossos pontos estratégicos importantes [fortes ou fracos] concedendo-lhes um excesso de força defensiva em relação a força atacante, dispor de uma reserva de força defensiva."

Estas ações preventivas costumam ser mais fortes e vantajosas quando focam em pontos centrais do tabuleiro, porque se trata da área mais importante da luta enxadrística e os esforços dirigidos ao centro adquirem maior valor potencial. Ou seja, estas ações preventivas resultarão mais vantajosas se estiverem combinadas com aspectos de Centralização - que é outro conceito ressaltado por Nimzowitsch, o primeiro grande pensador da estratégia moderna do xadrez.

A seguir, apresentamos uma partida que escolhemos para ilustrar estes dois conceitos de uma maneira simples e clara, sem nenhuma pretensão de sofisticação: apenas para mostrar bem didaticamente.
(na anotação inglesa abaixo nós temos Q=Dama, N=Cavalo, R=Torre, K=Rei, B é Bispo mesmo).
Posição após o lance branco 24. Te1 :


A variante de Spielman com 4.Db3 é uma tentativa de refutar a Defesa Nimzoíndia, mas que não trouxe maiores benefícios e hoje raramente é vista em partidas de mestres. Esta é uma defesa muito respeitada, que oferece boas possibilidades ao jogador das pretas e que costuma originar interessantes lutas estratégicas.

Ao jogar 24. Te1 as brancas pretendem reforçar o centro para avançar o peão até a casa e4, ganhando em dominação de espaço e mobilidade de sua massa de peões centrais, o que criaria novas possibilidades.
A pretas tentam impedir isso dominando a casa e4, primeiramente com um Bispo em c6, aplicando o conceito de Restrição, conforme vimos.
As brancas se vêem obrigadas a avançar 25. d5, deixando o peão do rei atrasado numa coluna dominada por peças pesadas do adversário - mas seria pior deixar que a casa e4 fosse ocupada pelo bispo, pois isso bloquearia os peões e limitaria o espaço para as peças brancas manobrarem.

As pretas continuam a aplicar Restrição, pressionando a casa e4 para impedir o avanço do centro branco:
manobram para reposicionar o Cavalo, atacando a Dama branca com 25...Cc5, e visando a casa e4 para poder bloquear fortemente o avanço de peão e4-e5 e obteriam com isso uma boa posição na partida.

Aparentemente conseguiram, porém um detalhe tático possibilita que as brancas avancem 27. e4!
Utilizar a dama na frente de batalha costuma ser ruim, porque se agora 27...Dxe4 segue 28. Bd3, DxT+ (forçado) 29. Bxe1, Txe1 e as pretas levam desvantagem.
É claro que 27...Cxe4 também é desvantajoso por causa de 28. Bd3 cravando o cavalo.
As pretas parecem desorientadas ao falhar em conter este avanço e aí fraquejam nas medidas preventivas necessárias a seguir. O lance 28...Df7 ? deveria ter sido Dg7 porque agora a casa e5 tornou-se importante e precisa ser vigiada, além disso a próxima manobra do Bispo e2 irá ganhar um tempo em cima da Dama.

A força desta manobra do Bispo é que ele expulsa a Torre de e8, que deveria permanecer na coluna "e" para ajudar na Super-proteção da casa e5, ponto estrategicamente forte na posição da Pretas.
Por isso, o lance 29...Dd7 é outro equívoco, porque esta casa deveria vir a ser ocupada pelo Cavalo, pelos mesmos motivos, e de onde ele poderia se postar na casa central e5 com atuação muito mais efetiva.
As pretas estariam explorando o "buraco"  e5 (casa que não pode ser atacada por peão adversário) e se as brancas eliminassem o Cavalo tomando-o com seu Bispo de casas pretas, restariam com um Bispo "mau" (anda pelas casas da mesma cor onde estão parados seus peões) e em desvantagem para um futuro final.

Logo a seguir, para poder reconquistar a casa e8 e expulsar o agressivo Bispo g6 (a peça branca mais bem situada), as pretas deveriam tentar manobrar para jogar 31...Be8 e não Ba6, porém as pretas parecem jogar sem um plano e por isso as suas jogadas não se harmonizam e as peças atuam sem conjunto, atrapalhando umas às outras.

Finalmente, as brancas realizam o temático avanço 33. e5! seguido do corajoso sacrifício 34. Bxe5 que leva a uma posição ganhadora, com ataque decisivo ao rei preto.
É interessante observar que, neste momento, as pretas ficam só com a Dama e uma Torre para defender esta zona de combate, pois o Bispo, Cavalo e a Torre a8 não tem tempo para acudir. Enquanto isso, as brancas atacam com Dama, duas Torres, Bispo e peão f6 - o destino da partida foi selado.

Comentários, críticas e dúvidas serão bem-vindos!

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

61- Tempo no Xadrez = GMs jogando Blitz

Conforme o ritmo veloz da vida moderna, o Xadrez também acelerou e as partidas rápidas jogadas em apenas alguns minutos se tornaram frequentes, mesmo nas competições entre Grandes Mestres de alto nível, não só usando como sistema de desempate, como também em Torneios específicos, com tempo reduzido.
Em função disso, a FIDE- Federação Internacional de Xadrez estabeleceu uma escala de Rating específica para duas novas modalidades: o chamado Xadrez Rápido, para partidas com tempo entre 15 e 60 minutos de reflexão para cada jogador, e para o chamado Xadrez Blitz, para partidas com tempo até 15 minutos. Para o Xadrez Standard ("Pensado") o Rating continuará a ser computado como usual, valendo para partidas de pelo menos 60 minutos iniciais e com acréscimos de pelo menos 30 segundos por lance, utilizando relógios digitais, ou o equivalente utilizando relógios mecânicos tradicionais.

Muitos enxadristas tem dificuldades com limitações de tempo, o que realmente pode afetar a qualidade de jogo e levar, com certa frequência, até à perda da partida devido à ultrapassagem do limite estabelecido.
Por outro lado, é interessante observar que, com um certo treino, é possível jogar partidas de boa qualidade e até mesmo de alto nível, dispondo de tempo bastante limitado.
Isto acontece em função do desenvolvimento da Intuição Enxadrística do jogador, que depende de treino, da experiência e da memória de cada um. Funciona como uma percepção extra-sensorial e visão quase instantânea do melhor "lance candidato" para cada momento da partida.

Na realidade, usar um tempo muito extenso para analisar uma posição não costuma ajudar a melhorar significativamente a qualidade do lance que finalmente escolhemos. Porque a experiência mostra que, na grande maioria das vezes, o enxadrista acaba escolhendo o primeiro lance que viu, quando começou a olhar a posição. Segundo o GM John Nunn é inútil gastar mais do que uns 15 minutos numa análise (no máximo) porque a relação custo/benefício não compensará para tempos maiores que isso.

É por estas e outras que cheguei à seguinte conclusão:
"Cada enxadrista encontra sempre o lance candidato que merece!"
(ou seja, o melhor lance que conseguimos descobrir e fazer está sempre limitado pela nossa própria competência e não adianta gastar muito tempo aprofundando as análises, procurando lances mirabolantes.)

A seguir podemos assistir, em tempo real, partidas de Xadrez Blitz entre GMs mais fortes da atualidade, no primeiro Campeonato Mundial da modalidade:

 Nakamura (EUA) vs. Aronian (Armênia)




Carlsen (Noruega) vs. Kramnik (Rússia)



Para assistir mais destas partidas, acesse no YouTube::
http://www.youtube.com/watch?v=GKJ4w9pbShQ&feature=related

Espero que aproveitem!
Com um abraço do Francisco Schwab.